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A Outra Elisa

Existe uma mulher com um e-mail muito, mas muito parecido com o meu. Coisa de uma letra. Compartilhamos o nome e um dos sobrenomes, que ambas optamos por usar em nossas assinaturas. E em nossos endereços de e-mail. Talvez não tenha sido a decisão mais acertada do mundo: tanto eu quanto ela temos outros sobrenomes que poderiam render uma assinatura menos comum. Mas a vida nem sempre é feita de decisões acertadas.

Sei o nome completo da outra Elisa porque, um dia, ela me mandou um e-mail. O nome na caixa de entrada mostrava os dois sobrenomes dela. Foi mais ou menos por volta de 2010. Eu estava fazendo um trabalho de faculdade e, por algum motivo, os e-mails do grupo nunca chegavam para mim.

“Oi, eu acho que estou recebendo vários e-mails seus por engano. Você faz jornalismo, né?”

Foi mais ou menos por aí.

Eu respondi que sim e que ia corrigir o e-mail nas listas. Lembro de ter falado de um jeito que dava abertura para continuar a conversa. Queria saber mais sobre a outra Elisa. “Seria uma forma bem curiosa de começar uma amizade”, pensei.

Ela ou não teve interesse, ou não pegou a deixa.

Recentemente, minha vida se intrometeu mais uma vez na dela. Uma amiga com quem eu dividia a casa encaminhou para a outra Elisa um e-mail da imobiliária sobre o procedimento de entrega das chaves. Quando veio me contar o que tinha acontecido, eu meio que já sabia.

Daí que, dia desses, me peguei pensando na outra Elisa e em todo o acesso que ela teve à minha vida. Achei meio injusta essa via de mão única. Resolvi me aproveitar das redes sociais e da frágil proteção de dados oferecida pelo governo brasileiro aos seus cidadãos para consertar essa injustiça.

Comecei com uma busca no Google. Descobri com o que a outra Elisa trabalha e que nascemos no mesmo estado, a mais ou menos 150 km de distância uma da outra, com um ano de diferença. Descobri, também, que ela se casou há poucos anos e adotou o sobrenome do marido, bem mais incomum do que o nosso. Só não mudou o e-mail.

Fosse eu um pouquinho mais stalker, poderia ter descoberto os nomes dos pais e dos sogros da outra Elisa, onde ela trabalha, onde fez faculdade, e por aí vai… Não dei muito bola pra essas informações. O nome de casada já foi suficiente pra encontrar três perfis no Instagram, dois mais ou menos profissionais e um aparentemente pessoal.

O perfil pessoal é trancado, e eu não tenho a cara de pau necessária para segui-la. Já os dois mais ou menos profissionais…

Um deles é um perfil de casal que não é atualizado há um tempinho. Pelo pouco que vi, parecia dedicado a problemas de relacionamento. O outro, o que é só dela, é voltado para questões de maternidade.

Descobri que a outra Elisa é mãe de um garotinho. Descobri o nome do garotinho. Não é um nome que eu daria para um filho meu, mas tudo bem. Também não é nada tão feio assim e acho que está na moda. Não que minha opinião importe, afinal, não é um filho meu. É um filho da outra Elisa.

Uma das minhas preocupações quando resolvi procurar a outra Elisa na internet foi “e se ela for uma fascistinha escrota?”. Não parece ser. No segundo perfil mais ou menos profissional, a outra Elisa questiona o ideal de mãe perfeita e fala sobre educação sexual para crianças. Fiquei um pouquinho mais tranquila.

Ainda assim, um ou outro vídeo me indicaram que ela tem um lado mais esotérico e good vibes que eu não curto. Provavelmente, não seríamos amigas. Se bem que, sei lá, não seria a minha primeira amiga esotérica e/ou good vibes. Não dá pra saber. Talvez se ela tivesse respondido àquele meu e-mail lá dos idos de 2010...

(Ou talvez se ela encontrar esse texto e resolver me procurar. Nesse caso: OI, OUTRA ELISA!)

De qualquer forma, fico feliz de saber que a outra Elisa está feliz e parece ser uma pessoa OK. Sei lá, ela não é eu, eu não sou ela, mas às vezes é como se fossemos duas versões da mesma Elisa em universos paralelos, talvez? Certeza de que ela acharia isso uma bobagem. Ou talvez não, visto que é meio esotérica.

Mas o mais importante de tudo foi saciar a minha sede de vingança mixuruca com todas essas informações. Não fiquei sabendo de tudo tão de mão beijada quanto ela, mas tudo bem. A vingança geralmente requer algum esforço