Às vezes me pego pensando sobre como, em vez de Elisa, meu pai cogitou me chamar de Yolanda.
Sempre que preciso de uma mentira rápida para algum inconveniente em um bar ou uma festa, recorro à longa lista de nomes que meu pai tinha para mim. Ficou decidido, antes do ultrassom, que minha mãe escolheria o nome no caso de um menino, e meu pai, no de uma menina. Minha mãe tinha certeza de que eu me chamaria Guilherme, já meu pai não tinha muita certeza de nada. Me aproveitando disto, espalhei por aí várias Irenes, Helenas, Luísas e Heloísas – mas nunca uma Yolanda.
Yolanda não foi uma criança da década de 90, que gostava muito de Sailor Moon, queria escrever histórias em quadrinhos e nunca aprendeu direito a andar de bicicleta. Yolanda foi uma ex-prostituta que se tornou dona de um bordel na década de 30. Aos 50 anos, abatida pela profissão, ela conversava como uma velha amiga com homens brancos, gordos e carecas – políticos da velha ordem afogando as mágoas em uísque escocês.
Yolanda foi provavelmente muito mais interessante do que eu jamais serei. Mas não sou eu.
Uma amiga menos talentosa para mentiras de última hora costuma dizer que se chama Madalena. Já rolou de não acreditarem. Pudera: Madalena não vai pro samba como essa minha amiga. Madalena descasca batatas na porta de uma casa na Zona Portuária, os olhos secos de tanto que já chorou nessa vida.
Ao contrário do que dizem de sua contraparte bíblica (e de Yolanda), Madalena nunca foi prostituta. Não é a Madalena de Jesus Cristo, mas a de Elis Regina. Era uma moça bonita, chamava atenção, poderia ter tido muitos namorados. Mas Madalena casou cedo e sofreu muito durante o casamento. Nunca teve outro homem além do marido. Teve, sim, filhos e netos a perder de vista, e sofreu imensamente por cada um deles. Madalena não sai com os amigos, não dança, não toma uma cerveja. Madalena assiste à novela, suspira e reza um terço pela alma do falecido.
No primário, volta e meia ouvia chamarem no alto-falante da escola um tal de Daniel Dantas. Nunca o conheci, mas tenho certeza de que não é o banqueiro que aparecia nos jornais algum tempo atrás. Conheci foi um outro garoto, chamado Sebastião Villa-Lobos. Não era um senhor de costeletas e bigode brancos, vestido de terno, com um monóculo pendurado no bolso. Era um ano mais novo do que eu e namorava com uma amiguinha da aula de informática.
Pode ser que hoje ele seja dono de terras, que esteja envolvido em algum esquema de trabalho escravo, e até que tenha composto um ou outra peça musical, como sugere o sobrenome. Talvez tenha sido tísico em algum momento da vida. Certamente não viveu para ver a chegada do século XX. Viveu para ver o XXI.
Não conheci Sebastião Villa-Lobos a fundo. Se passasse por ele na rua, hoje em dia, não o reconheceria, e nem ele a mim. Não sei detalhes sobre seus passatempos de criança, como sei sobre a menina que não se chamou Yolanda. Imagino, porém, que não envolvessem recitais de piano e discussões sobre as loucas ideias do Senhor Darwin.